sábado, 21 de setembro de 2013

Capítulo 13 - O sorriso da cachorra
A Quadrilha Junina
mês de maio é o início dos preparativos para grande festa do Nordeste do Brasil. É quando se iniciam as montagens dos palhoções, que tomam conta de quase todas as ruas da periferia, e os ensaios para a festa de São João começam. Também a coleta de madeira para as fogueiras de São João, Santo Antônio e São Pedro. Na escola haveria uma quadrilha e se iniciaram os ensaios, que era uma ótima oportunidade para que André pudesse dançar e abraçá-la em público. Ele, quando criança, havia sido o noivo em uma quadrilha no primário. O noivo é sempre uma figura de destaque, porém nesta, Patrícia lhe pedira discrição, pois a escolha dos casais deveria parecer por acaso, mas Marta se encarregou de resolver o problema.
Os primeiros ensaios foram ótimos. Eles ficavam de mãos dadas o tempo todo e dançavam* e abraçavam-se, coisa muito prazerosa para ele, já que ela era praticamente sua primeira namorada e ele sentia necessidade de mostrar-se em público com ela. Eles gostavam muito de dança e se divertiam muito. Um dia antes dos ensaios, um dos colegas reclamou com Patrícia que, quando estava acompanhada do marido, não falava com ninguém, já que esse colega a encontrara e ela não falara com ele, baixando a cabeça, como se não quisesse encontrá-lo. Patrícia ficou desconcertada e não respondera nada. Marta e André ficaram desconfiados, e ele ficou muito preocupado, mas o ensaio começou, e eles só puderam conversar depois das aulas. Ela negara, ele não entendera. Será que estava acontecendo novamente?


*Eu tenho um segredo menina
Cá dentro do peito
Que a noite passada
Quase que sem jeito
Vendo a madrugada
Eu ia revelar

Mas quando um amor diferente
Tava nos meus braços
Olhei pro espaço
E vi lá no céu
Uma estrela cadente se mudar
Eu lembrei
Das palavras doces
Que um dia falei para alguém
Que tanto, tanto me amou.
Me beijou como ninguém
Que flutuou nos meus braços
Entrou nos meus planos
E os nossos segredos confidenciamos
Sem hesitar....

A falta de acordo entre participantes dos ensaios quanto aos dias de apresentação acabou pondo fim à quadrilha, já que a maioria viajaria para festas no interior. Porém, para ele, os ensaios eram suficientes. Infelizmente não puderam passar as festas juntos. André mantivera a tradição das fogueiras em sua casa, não só ele, mas praticamente todos na sua rua. Havia um palhoção quase em frente à sua casa, e bandeirinhas enfeitavam toda a rua, cruzando-a de um lado a outro. À noite, em vésperas e dias de festa, a rua virava um verdadeiro corredor de fogo, quase todas as casas tinham fogueiras, e as crianças brincavam com “estralos bebé” – bombinhas – e assavam milho verde nas fogueiras. Os adolescentes dançavam quadrilhas ao som de Luiz Gonzaga, Jorge de Altinho*, Nando Cordel, Dominguinhos e tantos outros.
Todos bebiam e comiam: canjica, milho cozido, pamonha, bolo de milho, pé de moleque... Sentados ao redor das fogueiras, ora nas próprias, ora nas dos vizinhos, os pais ensinavam aos filhos a velha forma de dançar forró. Todos riam e conversavam alegremente. Patrícia passara com Cecília e o namorado de sua irmã pela rua, mas não parara. Vira André conversando com uma vizinha, e não pudera chegar perto para que Cecília e seu namorado não notassem nada. Não existe festa mais alegre e mais importante para o nordestino que o São João, com cachaça, comida e muitos amores.

A mãe de André era uma exímia cozinheira de comida de São João, e ele adorava milho verde cozido e, é claro, uma boa cachaça. Depois da festa da família, ele e os amigos saíam por outros palhoções, para paquera.  Ele já não estava mais nessa, mas acompanhava os amigos. Em uma destas palhoças, ele encontrou sua vizinha Ana Paula, menina nova, mas já uma bela mulher. Seus amigos Antônio e o “Doutor” estavam dançando e ele sentado numa barraquinha de cachaça e comidas típicas, quando foi surpreendido por aquela linda menina de olhos azuis, cabelos loiros e pele branquinha. Tinha a boca pequena, nariz afilado e seios grandes e duros, quadril largo, coxas grossas. Apesar da pouca idade, já tinha um corpo de mulher. Ela estava admirada por encontrá-lo, já que havia visto várias vezes Patrícia entrar na casa dele. Portanto, Ana Paula sabia do seu namoro com Patrícia – inclusive perguntara por ela. André também ficou surpreso por encontrá-la. Depois de uma pequena pausa, ele respondera que Patrícia não pudera ir. Ela então o convidou para dançar e ele aceitou. Dançaram a noite toda, mas ele se fizera de desentendido, como se não soubesse que ela estava interessada por ele. Já havia desconfiado, mas a achava muito nova, e sempre a respeitara.
.

O fole roncou
No alto da serra
Cabroeira da minha terra
Subiu a ladeira
E foi brincar

José Buraco
Pé de foice
Chico Manco
Bode Branco
Todo mundo foi brincar
Maria Doida
Margarida Floresbela
Muito triste na janela
Não dançou não quis entrar

O fole roncou
No alto da serra
Cabroeira da minha terra
Subiu a ladeira
E foi brincar
Naquela noite
Me juntei com Joventina
E o suspiro de menina
Era de arrepiar
Baião bonito
Tão gostoso e coviteiro
Que apagou o candieiro
Pro forró se animar...

A noite foi longa entre desejos lascivos e o compromisso de respeitá-las.


Apenas R$ 2,99



*Daniel Barros, 44, escritor e fotógrafo alagoano residente em Brasília, é autor dos romances O sorriso da cachorra, Thesaurus, 2011, Enterro sem defunto, Editora LER, Coletânea Contos Eróticos e Contos Sobrenaturais Enquanto a Noite Durar editora APED.



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