Capítulo 13 - O sorriso da cachorra
A Quadrilha Junina
O mês de maio é o início
dos preparativos para grande festa do Nordeste do Brasil. É quando se iniciam
as montagens dos palhoções, que tomam conta de quase todas as ruas da
periferia, e os ensaios para a festa de São João começam. Também a coleta de
madeira para as fogueiras de São João, Santo Antônio e São Pedro. Na escola
haveria uma quadrilha e se iniciaram os ensaios, que era uma ótima oportunidade
para que André pudesse dançar e abraçá-la em público. Ele, quando criança,
havia sido o noivo em uma quadrilha no primário. O noivo é sempre uma figura de
destaque, porém nesta, Patrícia lhe pedira discrição, pois a escolha dos casais
deveria parecer por acaso, mas Marta se encarregou de resolver o problema.
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Os primeiros ensaios foram ótimos. Eles ficavam de mãos
dadas o tempo todo e dançavam* e abraçavam-se, coisa muito prazerosa para ele,
já que ela era praticamente sua primeira namorada e ele sentia necessidade de
mostrar-se em público com ela. Eles gostavam muito de dança e se divertiam
muito. Um dia antes dos ensaios, um dos colegas reclamou com Patrícia que,
quando estava acompanhada do marido, não falava com ninguém, já que esse colega
a encontrara e ela não falara com ele, baixando a cabeça, como se não quisesse
encontrá-lo. Patrícia ficou desconcertada e não respondera nada. Marta e André
ficaram desconfiados, e ele ficou muito preocupado, mas o ensaio começou, e
eles só puderam conversar depois das aulas. Ela negara, ele não entendera. Será
que estava acontecendo novamente?
*Eu tenho um segredo menina
Cá dentro do peito
Que a noite passada
Quase que sem jeito
Vendo a madrugada
Eu ia revelar
Mas quando um amor diferente
Tava nos meus braços
Olhei pro espaço
E vi lá no céu
Uma estrela cadente se mudar
Eu lembrei
Das palavras doces
Que um dia falei para alguém
Que tanto, tanto me amou.
Me beijou como ninguém
Que flutuou nos meus braços
Entrou nos meus planos
E os nossos segredos confidenciamos
Sem hesitar....
A falta de acordo entre participantes dos ensaios quanto
aos dias de apresentação acabou pondo fim à quadrilha, já que a maioria
viajaria para festas no interior. Porém, para ele, os ensaios eram suficientes.
Infelizmente não puderam passar as festas juntos. André mantivera a tradição
das fogueiras em sua casa, não só ele, mas praticamente todos na sua rua. Havia
um palhoção quase em frente à sua casa, e bandeirinhas enfeitavam toda a rua,
cruzando-a de um lado a outro. À noite, em vésperas e dias de festa, a rua
virava um verdadeiro corredor de fogo, quase todas as casas tinham fogueiras, e
as crianças brincavam com “estralos bebé” – bombinhas – e assavam milho verde
nas fogueiras. Os adolescentes dançavam quadrilhas ao som de Luiz Gonzaga, Jorge
de Altinho*, Nando Cordel, Dominguinhos e tantos outros.
Todos bebiam e comiam: canjica, milho cozido, pamonha,
bolo de milho, pé de moleque... Sentados ao redor das fogueiras, ora nas
próprias, ora nas dos vizinhos, os pais ensinavam aos filhos a velha forma de
dançar forró. Todos riam e conversavam alegremente. Patrícia passara com
Cecília e o namorado de sua irmã pela rua, mas não parara. Vira André
conversando com uma vizinha, e não pudera chegar perto para que Cecília e seu
namorado não notassem nada. Não existe festa mais alegre e mais importante para
o nordestino que o São João, com cachaça, comida e muitos amores.
A mãe de André era uma exímia cozinheira de comida de São
João, e ele adorava milho verde cozido e, é claro, uma boa cachaça. Depois da
festa da família, ele e os amigos saíam por outros palhoções, para
paquera. Ele já não estava mais nessa,
mas acompanhava os amigos. Em uma destas palhoças, ele encontrou sua vizinha
Ana Paula, menina nova, mas já uma bela mulher. Seus amigos Antônio e o
“Doutor” estavam dançando e ele sentado numa barraquinha de cachaça e comidas
típicas, quando foi surpreendido por aquela linda menina de olhos azuis,
cabelos loiros e pele branquinha. Tinha a boca pequena, nariz afilado e seios
grandes e duros, quadril largo, coxas grossas. Apesar da pouca idade, já tinha
um corpo de mulher. Ela estava admirada por encontrá-lo, já que havia visto
várias vezes Patrícia entrar na casa dele. Portanto, Ana Paula sabia do seu
namoro com Patrícia – inclusive perguntara por ela. André também ficou surpreso
por encontrá-la. Depois de uma pequena pausa, ele respondera que Patrícia não
pudera ir. Ela então o convidou para dançar e ele aceitou. Dançaram a noite
toda, mas ele se fizera de desentendido, como se não soubesse que ela estava
interessada por ele. Já havia desconfiado, mas a achava muito nova, e sempre a
respeitara.
.
O fole roncou
No alto da serra
Cabroeira da minha terra
Subiu a ladeira
E foi brincar
José Buraco
Pé de foice
Chico Manco
Bode Branco
Todo mundo foi brincar
Maria Doida
Margarida Floresbela
Muito triste na janela
Não dançou não quis entrar
O fole roncou
No alto da serra
Cabroeira da minha terra
Subiu a ladeira
E foi brincar
Naquela noite
Me juntei com Joventina
E o suspiro de menina
Era de arrepiar
Baião bonito
Tão gostoso e coviteiro
Que apagou o candieiro
Pro forró se animar...
A noite foi longa entre desejos lascivos e o compromisso de respeitá-las.
Apenas R$ 2,99
*Daniel Barros, 44, escritor e fotógrafo alagoano residente em
Brasília, é autor dos romances O
sorriso da cachorra, Thesaurus, 2011, Enterro sem defunto,
Editora LER, Coletânea Contos Eróticos
e Contos Sobrenaturais Enquanto a Noite
Durar editora APED.
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