domingo, 5 de abril de 2015

Enterro Sem Defunto


Enterro Sem Defunto é o segundo romance do escritor alagoano Daniel Barros, sucessor de O Sorriso da Cachorra, e como todo segundo livro, demonstra um maior nível de amadurecimento literário. O autor domina sua arte, em um cenário literário onde em cada esquina do Facebook temos um novo candidato a Dan Brown e onde abundam pseudo-escritores, é com regozijo que encontramos um trabalho de um artista, não de um profissional do marketing literário.
A escrita do romance policial segue o modelo de um autor que é muitas vezes homenageado na obra, o melhor escritor norte-americano de todos os tempos: Ernest Hemingway. Hemingway não era religioso, mas teceu elogios à Bíblia Sagrada, e dela tirou o estilo sóbrio que o caracteriza, com frases curtas, parágrafos iniciais breves, construções afirmativas e parco de adjetivos. Barros aprendeu com o mestre e trabalha os vocábulos com esmero, mas sem abusar dos adjetivos e sem frases de efeito. Na literatura de Daniel Barros tudo está onde deve estar, como um drinque na mesa de um bar e uma dama sobre os lençóis da cama. Como em Hemingway nós somos levados a passear pela vida de um boêmio, descobrimos receitas de drinks e adentrando este mundo da noite alagoana nos sentamos com os personagens à beira mar e com eles comemos os pratos típicos da rica culinária da região, sentindo o aroma dos temperos, a doce brisa do mar e o perfume de uma bela mulher logo ali, do outro lado da mesa.
 O tom que caracteriza a obra é o noir, mas foge daquele noir estereotipado. Estamos no Brasil, nos arredores de Brasília ou em uma praia de Maceió. O tom é colorido como nos convém, longe do preto e branco ianque. Acompanhamos as aventuras da vida da personagem Alcides em sua luta pela honestidade em um mundo onde a corrupção é a lei e a impunidade a regra. O autor é profundo conhecedor do funcionamento da polícia civil do DF e nos revela todas as injustiças à que os policiais judiciários estão submetidos.
E quando pensamos que o romance nos levará apenas a esse eterno oriente que é o nordeste, nas palavras de Ariano Suassuna, estamos em um avião, ao lado de Alcides, para a ilha dos sonhos de Cuba. Onde Hemingway, numa fazenda que adquirira em 1942, redigiu O Velho e o Mar (1952), em que se revela seu pleno amadurecimento artístico. Hemingway amava Cuba e Cuba ama Hemingway até hoje, imortalizado no Papa Hemingway, o drink criado em sua homenagem, que Alcides desfruta no balcão da Bodeguita del Medio, o famoso bar cubano. Daniel Barros escreve sobre o que sabe, descreve os mojitos que tomou na ilha da revolução, quando lá esteve. Como testemunha das maravilhosas beldades que conheceu na terra de Fidel e dos drinks que tomou, pode nos transportar ao paraíso tropical cheio de símbolos e significados que marcaram gerações e irão marcar outras tantas gerações. Minhas filhas amam Cuba, para minha surpresa pequeno-burguesa, mas depois de colocar os pés na ilha juntamente com Alcides, não há quem não veja a ilha com outros olhos.
Vladimir Nabokov certa vez disse que um escritor pode ser considerado sob três pontos de vista: pode ser considerado como um contador de histórias, como um professor e como um mago. Um escritor completo combina esses três (contador de histórias, professor e mago) mas é o mago dentro dele que predomina e faz dele um grande escritor. E essas três qualidades encontramos em Daniel e na sua literatura.
Vladimir Nabokov observa, assim como a jovem Virginia Woolf fez, que a arte simplesmente imita a Natureza: “Literatura é invenção. Ficção é ficção. Chamar uma história de história real é um insulto tanto à arte quanto à realidade. Todo grande escritor é um grande enganador, mas também é a arque enganadora Natureza. A Natureza sempre engana. Desde o simples engano da propagação da prodigiosa sofisticada ilusão das cores protetivas das borboletas e dos pássaros, há na Natureza um maravilhoso sistema de magias e artimanhas. O escritor na ficção só segue o exemplo da Natureza” E assim é com O Enterro sem defunto, onde somos levados pelo autor com maestria até a borda dos mares do ardil e do engano e quando terminamos o último parágrafo gostaríamos de ter lido mais devagar, pois como Eça de Queiróz afiançou tudo acaba, leitor, é um velho truísmo. E como em Hemingway as personagens de Daniel Barros se deparam com o problema básico da evidência trágica do fim. Hemingway não foi capaz de aceitá-la, e a vida toda andou apostando corridas com a morte, assim como nós também não aceitamos essa evidência. Daniel Barros usa seu talento para se imortalizar e assim enganar aquela que todos nós iremos enfrentar um dia.
Maurício R. B. Campos
Escritor e crítico literário









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